sexta-feira, 4 de novembro de 2022

BOLSONARO PODE SE NEGAR A PASSAR A FAIXA PRESIDENCIAL?

 


  Como sabemos, as atribuições de um Presidente da República são várias, principalmente por acumular as funções de chefias de Estado e de Governo em nosso presidencialismo, todas previstas no artigo 84 da Constituição Federal, sendo certo que dentre outras, as atribuições passam por edição de medidas provisórias, decreto de estado de sítio, nomeação de ministros etc.

    Com o andamento do processo de transição de governo ocorrendo normalmente, fica a dúvida a respeito da passagem de Faixa presidencial, isso porque o atual Presidente Jair Bolsonaro havia declarado que só a faria se as eleições ocorressem de forma "limpa", mas, ao longo de todo pleito questionou desde a confiabilidade das urnas eletrônicas até a atuação do Tribunal Superior Eleitoral, o que indica sua insatisfação com o pleito em que saiu derrotado.

    De outro lado, Lula será diplomado até dia 19 de dezembro pelo TSE, ocasião em que terá em mãos o instrumento que lhe credencia oficialmente para a posse em 1o. de janeiro de 2023, atestando a validade do pleito e o declarando apto a ocupar o cargo de Presidente da República.

    A posse efetivamente ocorre através de uma formalidade prevista no Decreto 70.274/72, o qual prevê toda cerimônia de passagem da faixa presidencial, inclusive dizendo que o Presidente da República "seja recebido, à porta principal do Palácio do Planalto, pelo Presidente cujo mandato findou" e "após os cumprimentos, ambos os Presidentes, acompanhados pelos Vice-Presidentes Chefes do Gabinete Militar e Chefes do Gabinete Civil, se encaminharão para o Gabinete Presidencial, e dali para o local onde o Presidente da República receberá de seu antecessor a Faixa presidencial. Em seguida, o Presidente da República conduzirá o ex-Presidente até a porta principal do Palácio do Planalto", prevê o decreto.

    Mas seria essa uma obrigação imposta a Bolsonaro?  Há previsão de punição em caso de não cumprimento?

    A resposta é negativa, não há obrigação e nem mesmo punição.  Por se tratar de uma cerimônia de posse, a qual ocorrerá entre forças políticas de lados diferentes, o próprio decreto prevê que caberá ao Vice-Presidente da República do mandato findo, a passagem da Faixa em caso de recusa do Presidente que sai, ou seja, caberá a Hamilton Mourão a condução de todo cerimonial na ausência de Jair Bolsonaro.

    Não se trata de uma situação inusitada na política brasileira, uma vez que o último presidente da era militar João Figueiredo, em 1985, recusou-se a passar a Faixa para José Sarney, então Vice-Presidente - que tomou posse em razão da internação de Tancredo Neves - tendo sido conduzido ao cargo sem a presença do Presidente cujo mandato se findava.

    Após esse episódio em 1985 todos os Presidentes seguintes cumpriram as formalidades previstas no Decreto de 1972.

    Importante acrescentar que, apesar do Decreto prever que o Vice-Presidente da República conduzirá a cerimônia na ausência do Presidente, a linha de ocupação do cargo de Presidente, em seguida ao Vice, é preenchida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado Federal e Presidente do Supremo Tribunal Federal, respectivamente.  Assim, na ausência de Hamilton Mourão, caberá a Arthur Lira a passagem da Faixa a Lula.

    A posse é um ato importante que inaugura um novo mandato presidencial, cercada de formalismos, juramento no Congresso Nacional, contato com o povo, passagem pelas Forças Armadas, mas, em que pese o simbolismo da passagem de Faixa, em nada penaliza a ausência do Presidente da República do mandato findo e nem mesmo impede que essa ocorra de outras formas.

    A expectativa gerada por eleitores de ambos os lados reside na apertada disputa eleitoral e na ideologia divergente de ambos os lados, mas em nada impede a ocorrência da posse.

Henrique Morgado Casseb, analista político, advogado, professor e doutor em Direito Constitucional

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