quinta-feira, 12 de maio de 2016

QUEM CRIOU O IMPEACHMENT DE DILMA?



                É fato que o afastamento da presidente Dilma coloca um ponto final a um capítulo de nossa História política, haja vista se tratar de um governo de esquerda cujos ideais socialistas sempre fizeram parte de um discurso a favor da ética e da desigualdade social.
                Esse ponto final se deve ao fato de que, sem governo, não há como o Partido dos Trabalhadores promover a arte de convencimento em favor da absolvição da presidente no seu futuro julgamento político pelo Senado.  Até lá, o governo de Michel Temer já estará, bem ou mal, instituído e atuante.

                Aqui é preciso se atentar para as reviravoltas da História do Brasil, especialmente no que se deve ao fato das posições políticas devidamente invertidas em relação à então situação e oposição desse país.
                Em 1988 o Partido dos Trabalhadores se recusou a assinar a Constituição Federal e demonstrou insatisfação com aspectos sociais ali elencados na forma de direitos fundamentais. Os argumentos à época demonstravam que a esquerda petista não aceitava o tratamento do direito de propriedade e reforma agrária da forma como foram expressos na Carta Política elaborada pela Assembleia Constituinte.
                O Partido dos Trabalhadores assumia ali uma posição significativa de liderança de uma frente de esquerda no país, capaz de apavorar os capitalistas mais sensatos, mas que ainda não tinha um efeito prático suficiente para pânico geral.  Nossa democracia se iniciava com a tranquilidade de uma maioria aniquiladora a favor do texto chamado por Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã”.
                Mas a eleição de 1989 – excepcionalmente realizada em 15 de novembro – demonstrou que o discurso ético e social da esquerda era ouvido pela população, especialmente pela classe média e artística que ecoava a voz rouca e o sotaque gaúcho de Lula e Brizola - respectivamente.
                A radicalização do discurso esquerdista de ambos frutificava no decorrer de uma campanha eleitoral confusa, com muitos candidatos, apolítica, respaldada em uma redemocratização circense, capaz de alavancar figuras como Enéias Carneiro e Silvio Santos. 
                A eleição de Collor sacramentou uma derrota histórica ao projeto de uma frente de esquerda naquele momento.  Afinal, uniram-se em torno da candidatura de Lula no segundo turno: Covas (PSDB), Ulisses (PMDB), Brizola (PDT), dentre outros, em uma campanha polarizada que assistiu a barbáries como o sequestro de Abílio de Diniz e um debate ensaiado pela Rede Globo.  A derrota de Lula uniu a esquerda em torno de uma oposição mais ouvida, capaz de apontar erros do primeiro Presidente eleito na redemocratização.
                Em 1992, após inúmeras e frustradas tentativas de alavancar a economia, Collor sem apoio popular, sem apoio no Congresso Nacional foi afogado em denúncias de corrupção pelo próprio irmão, Pedro Collor de Mello.  Seu governo foi rapidamente rejeitado nas ruas e se tornou insustentável, incorrendo no processo de impeachment.
                A esquerda liderou o processo com manifestações nas ruas e uniu partidos e movimentos sociais em prol da retirada de um governo cuja falência já havia sido decretada há tempos.  Mais uma vez as vozes daqueles que se viram derrotados em 1989 foram ouvidas atentamente em palanques de praças de todos os cantos do país.
                O Partido dos Trabalhadores ganhava mais uma vez um espaço de liderança que se refletia em disputas eleitorais estaduais e municipais, sempre amparado por outros partidos de esquerda aliados de primeira hora.  O PT crescia sob o manto da ética e da desigualdade social.
                As urnas das eleições presidenciais de 1994 demonstravam que Lula e o PT eram fortes, mesmo diante de um PSDB respaldado por Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real. O grande erro de PT foi incluir em seu discurso o fracasso de um Plano que nitidamente estava dando certo. Era visível. Perceptível no dia-a-dia de cada brasileiro.
                A inclusão da reeleição na Constituição Federal através da Emenda à Constituição n. 16 de 4 de junho de 1997 culminou com as chances da frente esquerdista chegar ao poder através de Lula, haja vista que FHC – como qualquer candidato à reeleição – tinha amplas vantagens na disputa nessas condições.
                A História foi aos poucos demonstrando que a chegada da esquerda ao Poder era praticamente inevitável, visto seu crescimento a cada eleição em cada canto do país.  Foi então que o PT tomou a decisão de se aproximar do empresariado, afastando o medo que esse setor do país tinha em relação às bandeiras e discursos de uma esquerda raivosa que exercia com competência a sua função de oposição.
                Lula chega à Presidência em 2002, numa eleição difícil, que ainda guardava resquícios do medo.  O PT ganha a oportunidade de instituir políticas sociais com base em uma economia que superava crises internacionais, mas que ainda promovia desigualdade social país afora.
                Mais que isso, o PT como maior partido de esquerda do Brasil, tem a oportunidade de promover o crescimento dos partidos que até então foram companheiros de luta nesse breve histórico narrado. Mas não...
                Em nome de uma governabilidade preferiu sustentar uma maioria sem cores definidas em um Congresso Nacional pautado pela onda do momento e da popularidade de Lula frente a um governo aprovado de forma invejável pela população.
                Meus amigos, talvez tenha sido – diante de tantos – o maior erro do partido frente ao governo.  Preferiu instituir o mensalão como forma de manter uma maioria parlamentar promíscua a incentivar seus aliados de outrora.  Adotou uma prática já comum no país de troca de favores através de cargos.
                O loteamento de cargos distribuídos a partidos era discutido abertamente como algo natural da democracia e salutar para a governabilidade, quando sabemos que essa prática era um suicídio iminente para um governo que já não via a economia como antes.
                Lula e o PT acreditaram em um projeto cuja aceitação popular era suficiente para manter a maioria do Congresso Nacional ali, sustentando o governo através de medidas provisórias com negociações às claras.
                Pois bem, Dilma é eleita na carona de Lula e, mais do que dar continuidade ao governo e ao projeto do partido, tem a missão de conduzir um Congresso Nacional liderado por um parceiro chamado PMDB, liderado por um vice Presidente habilidoso, cuja carreira política inclui três presidências da Câmara dos Deputados.
                Dilma e o PT abandonaram há tempos a frente de esquerda, aliaram-se a partidos de acordo com seu tamanho no Congresso, não promoveram o crescimento dos partidos de esquerda, criaram um terreno fértil para as traições, enfim, criaram seu próprio fim!
                Dizer que o impeachment é golpe foi a gota d´água para a compreensão do erro político que o partido se meteu.  Esse discurso constitui um chamamento para aquela discussão de esquerda de 1989, capaz de realinhar antigos parceiros que se encontravam perdidos no espaço e no tempo, por muitos entendidos como ingênuos de acreditar em algo que caiu no ostracismo pelo PT. 
                Nesse ponto é preciso dizer que a ingenuidade reside em acreditar, não no discurso de golpe, visto que a Constituição determina que a definição de crime de responsabilidade fica a cargo do Senado, não cabendo sequer ao STF, mas em acreditar na manutenção do governo petista, agora com propostas reais de uma frente de esquerda. Tarde demais!
                O impeachment não é um processo jurídico baseado na verdade real como ocorre no direito penal, é político, ferramenta somente possível através de um conjunto de fatores de difícil ocorrência.  Primeiro é preciso ter provas de atos administrativos baseados em ilicitudes, no caso, as chamadas “pedaladas fiscais”.  Segundo, faz-se necessário que haja denunciante – qualquer cidadão – o que no caso ocorreu através de três juristas, Janaína Pachoal, Reale Jr. e Hélio Bicudo.
                O terceiro fator diz respeito ao Presidente da Câmara, figura importante devido à legitimidade para arquivamento do pedido, de plano.  Dilma não tinha a confiança de Eduardo Cunha, tendo ele recebido o pedido em dezembro de 2015.
                Restavam poucos, mas importantes passos para que a Presidente pudesse liquidar com o processo, mas nesse momento surge com clareza a evidência do maior erro do PT, a debandada da base do governo na Câmara e no Senado, além da importantíssima participação popular nas ruas, organizada através de redes sociais, sem bandeiras partidárias e capaz de mobilizar-se ao mesmo tempo em vários lugares do país.
                A derrota na Câmara dos Deputados por 367 votos a favor do recebimento do processo de impeachment demonstrou a fragilidade de uma base majoritária que até então se sustentava através de métodos mantidos desde 2003.  O PT dormiu 13 anos com o inimigo e o resultado não poderia ser outro diante desse conjunto de fatores.
                Pois bem, faltavam dois passos, a admissibilidade pelo Senado por maioria simples – situação política criada pelo STF e que representou um governo provisório desnecessário diante dos interesses do país.
                O Senado Federal, agindo na mesma toada da Câmara dos Deputados, afastou a Presidente da República por cento e oitenta dias e, ainda que reste o julgamento por dois terços, esse foi o “ponto final” desse capítulo da História.  Nessas circunstâncias não há sobrevida para Dilma.  Sua condenação é certa. Foram 55 votos, que já representam mais do que os dois terços necessários para o futuro julgamento.
                Como se nota, o governo petista se afastou de suas raízes para chegada ao poder e, mesmo no trono, não foi capaz de retomar o projeto que lhe originou como instituição partidária.  Foi sua estratégia política a grande responsável pelo processo de impeachment, o mesmo inaugurado por um petista de raiz, Sr. Hélio Bicudo e, ao partido, restará juntar os cacos para voltar a estaca zero, sujeitando-se a coordenar uma base oposicionista desconfiada de tudo e de todos e a qual não goza da confiança da população em geral.
               

                

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