Quando ouvimos falar em Assembleia
Constituinte nos vem inevitavelmente à mente toda a discussão e votação que
precedeu à elaboração do texto constitucional brasileiro de 1988.
Essa lembrança é óbvia por ter sido
aquela a última Assembleia Constituinte brasileira, haja vista que a Assembleia
tem como objetivo a elaboração de uma nova Constituição.
Recentemente a Presidente Dilma
lançou a discussão acerca da convocação de uma nova Assembleia Constituinte, só
que desta vez específica para realizar a Reforma Política que o país tanto
necessita.
Antes disso, propôs a Presidente um
plebiscito para saber se o povo brasileiro queria ou não a Reforma.
Pois bem, inicio agora algumas
considerações de ordem constitucional para posteriormente falar politicamente.
Primeiro é preciso discutir o
plebiscito.
Nossa República é uma democracia
semi-direta, ou seja, ela tem predominantemente decisões tomadas por
representantes eleitos diretamente pelo povo e, excepcionalmente, admite a
participação direta do povo em suas decisões através de três mecanismos de
intervenção popular: plebiscito, referendo e iniciativa popular, conforme
artigo 14, I, II e III da CF (eu incluo a ação popular também nesse rol).
No caso específico do plebiscito
podemos dizer que se trata de uma consulta prévia aos cidadãos (aqueles que
podem votar) sobre um tema que será tratado posteriormente, ou seja, é uma
consulta prévia.
É preciso salientar que esta
consulta vincula o ato! A resposta popular é soberana.
Por certo que é competência do
Congresso Nacional a convocação de plebiscito, nos termos do artigo 49, XV, CF.
Choveram críticas à declaração pelo
erro jurídico que a Presidente teria cometido, mas, no fundo, sabemos que
politicamente essa convocação poderia ser feita por meio de líderes do governo
no Congresso ou através de mensagem da Presidência da República.
A questão é outra: o que seria
perguntado no plebiscito?
Inicialmente a Presidente queria
apenas consultar os cidadãos a respeito de um “sim” ou “não” sobre a Reforma
Política, medida que teria um efeito calmante nas manifestações, já que sabemos
que esse desejo é quase unânime entre nós brasileiros. O “sim” convocaria eleições para a Assembleia
Constituinte pontual.
No entanto, posteriormente, a
Presidente disse ter a intenção de um plebiscito sobre pontos da Reforma
Política. Como isso funcionaria? Ninguém
sabe, nem ela.
A oposição tem uma proposta de
referendo que é um plebiscito invertido, ou seja, a consulta popular é
posterior ao ato praticado.
Para a oposição, primeiro deveria o
Congresso fazer uma lei e depois consultar o povo sobre ela, como ocorreu com o
estatuto do desarmamento.
Ambas as proposta são complexas,
pois nossa Reforma Política exige discussões acerca de pontos da Constituição
Federal e de leis específicas, como por exemplo, as leis eleitorais.
Vamos combinar que o povo não está
preparado para um choque de informações complexas sobre, por exemplo, voto
distrital ou financiamento público de campanha.
Partimos então para a discussão
acerca da Assembleia Constituinte, já descartada pela Presidente ante várias
críticas de juristas como Ives Gandra Martins e Luis Roberto Barroso.
Alegam os opositores da ideia que a
Assembleia goza de um poder ilimitado que só pode ser exercido ante a
necessidade de mudança radical no ordenamento jurídico, haja vista que a
Constituinte tem o poder de criar um novo texto constitucional.
Pois bem, quem sou eu para criticar
as conclusões desses e outros tantos juristas de peso. Aliás, quem é ou foi meu
aluno sabe que é exatamente isso que prego em sala de aula.
Mas ouso discordar dessas conclusões
estáticas sob o ponto de vista da Teoria do Direito por entender que a proposta
é viável, justificável e, indo mais além, a única que pode chegar a Reforma
Política.
Meu raciocínio tem três pontos de
discussão: passado, presente e futuro. Vamos lá!
Passado: nossa Constituinte de 1988
foi formada por congressistas eleitos e com mandato, ou seja, não tivemos
indivíduos eleitos só para fazer a Constituição, tivemos deputados e senadores
fazendo-a.
Esse foi um erro muito grande de
exercício da Assembleia Nacional Constituinte, pois misturou o Poder
Legislativo (Poder Constituído) com o Poder Constituinte.
O resultado disso é que instituímos
a democracia, criamos um novo texto constitucional, mas não promovemos mudanças
significativas no processo eleitoral e político do país, afinal de contas, os
“constituintes” não tinham interesse naquele momento. Era mais bonito garantir saúde, moradia,
educação como direitos sociais!
Em razão desse erro, saímos de 1988
com a necessidade de fazer Reforma Política e não fizemos até hoje, pois o
Congresso, que deveria fazer, “patina” em projetos de emendas que não saem do
papel.
Até o Supremo Tribunal Federal já
ousou promover algumas “reformas” quando considerou que o mandato é do partido
político. Mas essa é outra discussão que
não cabe aqui fazer.
Presente: o calor das manifestações
nas ruas mostra a oportunidade de se fazer uma Reforma Política. O povo nas
ruas é capaz de gerar a pressão necessária para isso.
Eleger uma Assembleia Constituinte
pontual, só para a Reforma, seria corrigir o erro do passado. Os eleitos não estariam legislando em causa
própria e, por isso, teriam autonomia para decidir sobre os pontos que
precisamos mudar.
A Assembleia seria paralela ao
Congresso, como deve ser.
Futuro: somente uma Reforma
Política, realizada de forma rápida, por pessoas eleitas pelo povo, isentas dos
assuntos congressuais, poderia gerar resultados capazes de combater a corrupção
que assola esse país.
Parece exagero e até é um pouco,
pois sabemos que a corrupção é um câncer que antecede até mesmo nossa
descoberta em 1500, mas é certo também que a Reforma significa um passo
importante para diminuí-la.
Na minha opinião, a Reforma Política
Plebiscitária, a qual o povo diria sim a uma Assembleia Constituinte pontual,
convocando eleições específicas para a realização da Reforma e, portanto,
legitimando-a, já que todo poder emana do povo, não se trata de um erro
jurídico, mas sim de uma solução neste momento.
Outrora já tinha ouvido proposta do
tipo e fui resistente à ideia! É uma
reação de quem prospera princípios e regras constitucionais. Hoje penso
diferente!
Vou mais além! Ao invés de criticarem a proposta, grandes
juristas deveriam pensar na possibilidade de contribuir para a Reforma, sendo
eleitos para a Assembleia Constituinte ou assessorando-a.
Deixar a Reforma Política para o
Congresso por apego a argumentos formais, ignorando uma medida legitimamente
aprovada pelo povo (caso o plebiscito diga “sim”) é estender ou abafar as
discussões para mais algumas gerações.
Para não vermos nossos netos indo às
ruas para pedir Reforma Política é preciso que a pressão popular de hoje se
efetive através de um órgão autônomo e pontual, inédito, porque assim tem que
ser o direito: dinâmico ao seu tempo!
2 comentários:
É uma pena perceber que juristas defendem muito mais a forma do que a matéria. Podiam alegar insegurança jurídica, mas como o próprio professor disse, essa é a única maneira de corrigir o erro do passado e já foi descartada.
Parabenizo-o pela coragem de defender uma proposta ousada destas. As pessoas desse país querem mudanças estruturastes. Resta saber, no entanto, quem serão os constituintes, quais seus compromissos com a ordem vigente para o bem e para o mal, qual o desenho institucional que fariam. Durante minha estada na faculdade de Direito, as vozes teóricas a favor dos clamores das ruas hoje eram minoritárias e esmagadas, como o senhor mesmo admitiu acima, por uma maioria reacionária que se vê acuada intelectualmente por essas "inconsistências democráticas" que podem ser ouvidas dos protestos populares, uma espécie de crise de legitimidade para a retórica jurídica. Lembro-me como alguns juristas tratavam com um "preconceito criminalizante" manifestações constitucionalmente legítimas dos movimentos sociais que estão nas ruas há anos, que "transtornavam" levemente a injustiça social desse país. Ou seja, o Direito é elaborado para as pessoas e sua proteção com uma ordenação mínima da vida civilizada ou serve aos interesses da minoria dominante dos poderes econômicos, do capital? O mesmo falo do sistema financeiro do mundo. Ele serve ao incremento de produtividade para a economia real ou é um jogo e uma realidade em si mesmo que quando se depara com suas contradições naturais, sem os devidos freios, devasta salários, empregos e a seguridade social?
Nosso desafio: desenvolver um sistema de decisões de poder funcional, que respeite minorias mas traga efetividade às decisões emanadas da maioria. Se o Direito é o bom senso qual será esse senso constituinte do poder? O senso das ruas, das casas, do cotidiano do trabalhador, ou o senso do poder financeiro predatório? Eu prefiro o das ruas.
Paz e saúde,
André Luiz Rodrigues
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