sábado, 29 de junho de 2013

Reforma Política Plebiscitária: plebiscito, referendo e Assembleia Nacional





            Quando ouvimos falar em Assembleia Constituinte nos vem inevitavelmente à mente toda a discussão e votação que precedeu à elaboração do texto constitucional brasileiro de 1988.
            Essa lembrança é óbvia por ter sido aquela a última Assembleia Constituinte brasileira, haja vista que a Assembleia tem como objetivo a elaboração de uma nova Constituição.
            Recentemente a Presidente Dilma lançou a discussão acerca da convocação de uma nova Assembleia Constituinte, só que desta vez específica para realizar a Reforma Política que o país tanto necessita.

            Antes disso, propôs a Presidente um plebiscito para saber se o povo brasileiro queria ou não a Reforma.
            Pois bem, inicio agora algumas considerações de ordem constitucional para posteriormente falar politicamente.
            Primeiro é preciso discutir o plebiscito.
            Nossa República é uma democracia semi-direta, ou seja, ela tem predominantemente decisões tomadas por representantes eleitos diretamente pelo povo e, excepcionalmente, admite a participação direta do povo em suas decisões através de três mecanismos de intervenção popular: plebiscito, referendo e iniciativa popular, conforme artigo 14, I, II e III da CF (eu incluo a ação popular também nesse rol).
            No caso específico do plebiscito podemos dizer que se trata de uma consulta prévia aos cidadãos (aqueles que podem votar) sobre um tema que será tratado posteriormente, ou seja, é uma consulta prévia.
            É preciso salientar que esta consulta vincula o ato! A resposta popular é soberana.
            Por certo que é competência do Congresso Nacional a convocação de plebiscito, nos termos do artigo 49, XV, CF.
            Choveram críticas à declaração pelo erro jurídico que a Presidente teria cometido, mas, no fundo, sabemos que politicamente essa convocação poderia ser feita por meio de líderes do governo no Congresso ou através de mensagem da Presidência da República.
            A questão é outra: o que seria perguntado no plebiscito?
            Inicialmente a Presidente queria apenas consultar os cidadãos a respeito de um “sim” ou “não” sobre a Reforma Política, medida que teria um efeito calmante nas manifestações, já que sabemos que esse desejo é quase unânime entre nós brasileiros.  O “sim” convocaria eleições para a Assembleia Constituinte pontual.
            No entanto, posteriormente, a Presidente disse ter a intenção de um plebiscito sobre pontos da Reforma Política.  Como isso funcionaria? Ninguém sabe, nem ela.
            A oposição tem uma proposta de referendo que é um plebiscito invertido, ou seja, a consulta popular é posterior ao ato praticado.
            Para a oposição, primeiro deveria o Congresso fazer uma lei e depois consultar o povo sobre ela, como ocorreu com o estatuto do desarmamento.
            Ambas as proposta são complexas, pois nossa Reforma Política exige discussões acerca de pontos da Constituição Federal e de leis específicas, como por exemplo, as leis eleitorais.
            Vamos combinar que o povo não está preparado para um choque de informações complexas sobre, por exemplo, voto distrital ou financiamento público de campanha.
            Partimos então para a discussão acerca da Assembleia Constituinte, já descartada pela Presidente ante várias críticas de juristas como Ives Gandra Martins e Luis Roberto Barroso.
            Alegam os opositores da ideia que a Assembleia goza de um poder ilimitado que só pode ser exercido ante a necessidade de mudança radical no ordenamento jurídico, haja vista que a Constituinte tem o poder de criar um novo texto constitucional.
            Pois bem, quem sou eu para criticar as conclusões desses e outros tantos juristas de peso. Aliás, quem é ou foi meu aluno sabe que é exatamente isso que prego em sala de aula.
            Mas ouso discordar dessas conclusões estáticas sob o ponto de vista da Teoria do Direito por entender que a proposta é viável, justificável e, indo mais além, a única que pode chegar a Reforma Política.
            Meu raciocínio tem três pontos de discussão: passado, presente e futuro. Vamos lá!
            Passado: nossa Constituinte de 1988 foi formada por congressistas eleitos e com mandato, ou seja, não tivemos indivíduos eleitos só para fazer a Constituição, tivemos deputados e senadores fazendo-a.
            Esse foi um erro muito grande de exercício da Assembleia Nacional Constituinte, pois misturou o Poder Legislativo (Poder Constituído) com o Poder Constituinte.
            O resultado disso é que instituímos a democracia, criamos um novo texto constitucional, mas não promovemos mudanças significativas no processo eleitoral e político do país, afinal de contas, os “constituintes” não tinham interesse naquele momento.  Era mais bonito garantir saúde, moradia, educação como direitos sociais!
            Em razão desse erro, saímos de 1988 com a necessidade de fazer Reforma Política e não fizemos até hoje, pois o Congresso, que deveria fazer, “patina” em projetos de emendas que não saem do papel.
            Até o Supremo Tribunal Federal já ousou promover algumas “reformas” quando considerou que o mandato é do partido político.  Mas essa é outra discussão que não cabe aqui fazer.
            Presente: o calor das manifestações nas ruas mostra a oportunidade de se fazer uma Reforma Política. O povo nas ruas é capaz de gerar a pressão necessária para isso.
            Eleger uma Assembleia Constituinte pontual, só para a Reforma, seria corrigir o erro do passado.  Os eleitos não estariam legislando em causa própria e, por isso, teriam autonomia para decidir sobre os pontos que precisamos mudar.
            A Assembleia seria paralela ao Congresso, como deve ser.
            Futuro: somente uma Reforma Política, realizada de forma rápida, por pessoas eleitas pelo povo, isentas dos assuntos congressuais, poderia gerar resultados capazes de combater a corrupção que assola esse país.
            Parece exagero e até é um pouco, pois sabemos que a corrupção é um câncer que antecede até mesmo nossa descoberta em 1500, mas é certo também que a Reforma significa um passo importante para diminuí-la.
            Na minha opinião, a Reforma Política Plebiscitária, a qual o povo diria sim a uma Assembleia Constituinte pontual, convocando eleições específicas para a realização da Reforma e, portanto, legitimando-a, já que todo poder emana do povo, não se trata de um erro jurídico, mas sim de uma solução neste momento.
            Outrora já tinha ouvido proposta do tipo e fui resistente à ideia!  É uma reação de quem prospera princípios e regras constitucionais. Hoje penso diferente!
            Vou mais além!  Ao invés de criticarem a proposta, grandes juristas deveriam pensar na possibilidade de contribuir para a Reforma, sendo eleitos para a Assembleia Constituinte ou assessorando-a.
            Deixar a Reforma Política para o Congresso por apego a argumentos formais, ignorando uma medida legitimamente aprovada pelo povo (caso o plebiscito diga “sim”) é estender ou abafar as discussões para mais algumas gerações.
            Para não vermos nossos netos indo às ruas para pedir Reforma Política é preciso que a pressão popular de hoje se efetive através de um órgão autônomo e pontual, inédito, porque assim tem que ser o direito: dinâmico ao seu tempo!

2 comentários:

Lucas disse...

É uma pena perceber que juristas defendem muito mais a forma do que a matéria. Podiam alegar insegurança jurídica, mas como o próprio professor disse, essa é a única maneira de corrigir o erro do passado e já foi descartada.

André Luiz Rodrigues disse...

Parabenizo-o pela coragem de defender uma proposta ousada destas. As pessoas desse país querem mudanças estruturastes. Resta saber, no entanto, quem serão os constituintes, quais seus compromissos com a ordem vigente para o bem e para o mal, qual o desenho institucional que fariam. Durante minha estada na faculdade de Direito, as vozes teóricas a favor dos clamores das ruas hoje eram minoritárias e esmagadas, como o senhor mesmo admitiu acima, por uma maioria reacionária que se vê acuada intelectualmente por essas "inconsistências democráticas" que podem ser ouvidas dos protestos populares, uma espécie de crise de legitimidade para a retórica jurídica. Lembro-me como alguns juristas tratavam com um "preconceito criminalizante" manifestações constitucionalmente legítimas dos movimentos sociais que estão nas ruas há anos, que "transtornavam" levemente a injustiça social desse país. Ou seja, o Direito é elaborado para as pessoas e sua proteção com uma ordenação mínima da vida civilizada ou serve aos interesses da minoria dominante dos poderes econômicos, do capital? O mesmo falo do sistema financeiro do mundo. Ele serve ao incremento de produtividade para a economia real ou é um jogo e uma realidade em si mesmo que quando se depara com suas contradições naturais, sem os devidos freios, devasta salários, empregos e a seguridade social?

Nosso desafio: desenvolver um sistema de decisões de poder funcional, que respeite minorias mas traga efetividade às decisões emanadas da maioria. Se o Direito é o bom senso qual será esse senso constituinte do poder? O senso das ruas, das casas, do cotidiano do trabalhador, ou o senso do poder financeiro predatório? Eu prefiro o das ruas.

Paz e saúde,

André Luiz Rodrigues