É
fato que o afastamento da presidente Dilma coloca um ponto final a um capítulo
de nossa História política, haja vista se tratar de um governo de esquerda
cujos ideais socialistas sempre fizeram parte de um discurso a favor da ética e
da desigualdade social.
Esse
ponto final se deve ao fato de que, sem governo, não há como o Partido dos
Trabalhadores promover a arte de convencimento em favor da absolvição da
presidente no seu futuro julgamento político pelo Senado. Até lá, o governo de Michel Temer já estará,
bem ou mal, instituído e atuante.
Aqui
é preciso se atentar para as reviravoltas da História do Brasil, especialmente
no que se deve ao fato das posições políticas devidamente invertidas em relação
à então situação e oposição desse país.
Em
1988 o Partido dos Trabalhadores se recusou a assinar a Constituição Federal e
demonstrou insatisfação com aspectos sociais ali elencados na forma de direitos
fundamentais. Os argumentos à época demonstravam que a esquerda petista não
aceitava o tratamento do direito de propriedade e reforma agrária da forma como
foram expressos na Carta Política elaborada pela Assembleia Constituinte.
O
Partido dos Trabalhadores assumia ali uma posição significativa de liderança de
uma frente de esquerda no país, capaz de apavorar os capitalistas mais
sensatos, mas que ainda não tinha um efeito prático suficiente para pânico
geral. Nossa democracia se iniciava com
a tranquilidade de uma maioria aniquiladora a favor do texto chamado por
Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã”.
Mas
a eleição de 1989 – excepcionalmente realizada em 15 de novembro – demonstrou
que o discurso ético e social da esquerda era ouvido pela população,
especialmente pela classe média e artística que ecoava a voz rouca e o sotaque
gaúcho de Lula e Brizola - respectivamente.
A
radicalização do discurso esquerdista de ambos frutificava no decorrer de uma
campanha eleitoral confusa, com muitos candidatos, apolítica, respaldada em uma
redemocratização circense, capaz de alavancar figuras como Enéias Carneiro e
Silvio Santos.
A
eleição de Collor sacramentou uma derrota histórica ao projeto de uma frente de
esquerda naquele momento. Afinal,
uniram-se em torno da candidatura de Lula no segundo turno: Covas (PSDB),
Ulisses (PMDB), Brizola (PDT), dentre outros, em uma campanha polarizada que
assistiu a barbáries como o sequestro de Abílio de Diniz e um debate ensaiado
pela Rede Globo. A derrota de Lula uniu
a esquerda em torno de uma oposição mais ouvida, capaz de apontar erros do
primeiro Presidente eleito na redemocratização.
Em
1992, após inúmeras e frustradas tentativas de alavancar a economia, Collor sem
apoio popular, sem apoio no Congresso Nacional foi afogado em denúncias de
corrupção pelo próprio irmão, Pedro Collor de Mello. Seu governo foi rapidamente rejeitado nas
ruas e se tornou insustentável, incorrendo no processo de impeachment.
A
esquerda liderou o processo com manifestações nas ruas e uniu partidos e
movimentos sociais em prol da retirada de um governo cuja falência já havia
sido decretada há tempos. Mais uma vez
as vozes daqueles que se viram derrotados em 1989 foram ouvidas atentamente em
palanques de praças de todos os cantos do país.
O
Partido dos Trabalhadores ganhava mais uma vez um espaço de liderança que se
refletia em disputas eleitorais estaduais e municipais, sempre amparado por
outros partidos de esquerda aliados de primeira hora. O PT crescia sob o manto da ética e da
desigualdade social.
As
urnas das eleições presidenciais de 1994 demonstravam que Lula e o PT eram
fortes, mesmo diante de um PSDB respaldado por Fernando Henrique Cardoso e o
Plano Real. O grande erro de PT foi incluir em seu discurso o fracasso de um
Plano que nitidamente estava dando certo. Era visível. Perceptível no dia-a-dia
de cada brasileiro.
A
inclusão da reeleição na Constituição Federal através da Emenda à Constituição
n. 16 de 4 de junho de 1997 culminou com as chances da frente esquerdista
chegar ao poder através de Lula, haja vista que FHC – como qualquer candidato à
reeleição – tinha amplas vantagens na disputa nessas condições.
A
História foi aos poucos demonstrando que a chegada da esquerda ao Poder era
praticamente inevitável, visto seu crescimento a cada eleição em cada canto do
país. Foi então que o PT tomou a decisão
de se aproximar do empresariado, afastando o medo que esse setor do país tinha
em relação às bandeiras e discursos de uma esquerda raivosa que exercia com
competência a sua função de oposição.
Lula
chega à Presidência em 2002, numa eleição difícil, que ainda guardava
resquícios do medo. O PT ganha a
oportunidade de instituir políticas sociais com base em uma economia que
superava crises internacionais, mas que ainda promovia desigualdade social país
afora.
Mais
que isso, o PT como maior partido de esquerda do Brasil, tem a oportunidade de
promover o crescimento dos partidos que até então foram companheiros de luta
nesse breve histórico narrado. Mas não...
Em
nome de uma governabilidade preferiu sustentar uma maioria sem cores definidas
em um Congresso Nacional pautado pela onda do momento e da popularidade de Lula
frente a um governo aprovado de forma invejável pela população.
Meus
amigos, talvez tenha sido – diante de tantos – o maior erro do partido frente
ao governo. Preferiu instituir o
mensalão como forma de manter uma maioria parlamentar promíscua a incentivar
seus aliados de outrora. Adotou uma
prática já comum no país de troca de favores através de cargos.
O
loteamento de cargos distribuídos a partidos era discutido abertamente como
algo natural da democracia e salutar para a governabilidade, quando sabemos que
essa prática era um suicídio iminente para um governo que já não via a economia
como antes.
Lula
e o PT acreditaram em um projeto cuja aceitação popular era suficiente para
manter a maioria do Congresso Nacional ali, sustentando o governo através de
medidas provisórias com negociações às claras.
Pois
bem, Dilma é eleita na carona de Lula e, mais do que dar continuidade ao governo
e ao projeto do partido, tem a missão de conduzir um Congresso Nacional
liderado por um parceiro chamado PMDB, liderado por um vice Presidente habilidoso,
cuja carreira política inclui três presidências da Câmara dos Deputados.
Dilma
e o PT abandonaram há tempos a frente de esquerda, aliaram-se a partidos de
acordo com seu tamanho no Congresso, não promoveram o crescimento dos partidos
de esquerda, criaram um terreno fértil para as traições, enfim, criaram seu
próprio fim!
Dizer
que o impeachment é golpe foi a gota
d´água para a compreensão do erro político que o partido se meteu. Esse discurso constitui um chamamento para
aquela discussão de esquerda de 1989, capaz de realinhar antigos parceiros que
se encontravam perdidos no espaço e no tempo, por muitos entendidos como
ingênuos de acreditar em algo que caiu no ostracismo pelo PT.
Nesse
ponto é preciso dizer que a ingenuidade reside em acreditar, não no discurso de
golpe, visto que a Constituição determina que a definição de crime de
responsabilidade fica a cargo do Senado, não cabendo sequer ao STF, mas em
acreditar na manutenção do governo petista, agora com propostas reais de uma
frente de esquerda. Tarde demais!
O
impeachment não é um processo
jurídico baseado na verdade real como ocorre no direito penal, é político,
ferramenta somente possível através de um conjunto de fatores de difícil
ocorrência. Primeiro é preciso ter
provas de atos administrativos baseados em ilicitudes, no caso, as chamadas
“pedaladas fiscais”. Segundo, faz-se
necessário que haja denunciante – qualquer cidadão – o que no caso ocorreu
através de três juristas, Janaína Pachoal, Reale Jr. e Hélio Bicudo.
O
terceiro fator diz respeito ao Presidente da Câmara, figura importante devido à
legitimidade para arquivamento do pedido, de plano. Dilma não tinha a confiança de Eduardo Cunha,
tendo ele recebido o pedido em dezembro de 2015.
Restavam
poucos, mas importantes passos para que a Presidente pudesse liquidar com o
processo, mas nesse momento surge com clareza a evidência do maior erro do PT,
a debandada da base do governo na Câmara e no Senado, além da importantíssima
participação popular nas ruas, organizada através de redes sociais, sem
bandeiras partidárias e capaz de mobilizar-se ao mesmo tempo em vários lugares
do país.
A
derrota na Câmara dos Deputados por 367 votos a favor do recebimento do
processo de impeachment demonstrou a
fragilidade de uma base majoritária que até então se sustentava através de
métodos mantidos desde 2003. O PT dormiu
13 anos com o inimigo e o resultado não poderia ser outro diante desse conjunto
de fatores.
Pois
bem, faltavam dois passos, a admissibilidade pelo Senado por maioria simples –
situação política criada pelo STF e que representou um governo provisório
desnecessário diante dos interesses do país.
O
Senado Federal, agindo na mesma toada da Câmara dos Deputados, afastou a
Presidente da República por cento e oitenta dias e, ainda que reste o
julgamento por dois terços, esse foi o “ponto final” desse capítulo da
História. Nessas circunstâncias não há
sobrevida para Dilma. Sua condenação é
certa. Foram 55 votos, que já representam mais do que os dois terços
necessários para o futuro julgamento.
Como
se nota, o governo petista se afastou de suas raízes para chegada ao poder e,
mesmo no trono, não foi capaz de retomar o projeto que lhe originou como
instituição partidária. Foi sua
estratégia política a grande responsável pelo processo de impeachment, o mesmo inaugurado por um petista de raiz, Sr. Hélio
Bicudo e, ao partido, restará juntar os cacos para voltar a estaca zero,
sujeitando-se a coordenar uma base oposicionista desconfiada de tudo e de todos
e a qual não goza da confiança da população em geral.
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